Contos

Domingo de GreNal

Sinara Foss


O domingo amanhecia vermelho e azul.Pulei da cama, meu íntimo dizia que aquele dia de Grenal seria de alegrias para mim. Rodada importante do Campeonato Brasileiro, somente a vitória nos interessava. Meu gato D’ale miou esfregando-se nas minhas canelas, com o rabo muito erguido piscou devagarinho. Abaixei-me peguei D’ale no colo, esmaguei-o fraquinho, não contendo o meu amor, e fomos até a cozinha. O sachet do D’ale tinha que ser antes do meu café.

O jogo seria às quatro horas da tarde na Arena do Grêmio. Eu, dessa vez, assistiria pela TV. D’ale tinha um remédio as 5 horas para tomar. Nunca atrasaria seu tratamento, ou deixaria de fazer qualquer coisa por ele, nem pelo meu Inter. Tirei a camisola e vesti minha camiseta vermelha, o nosso manto sagrado, para dar sorte.

Liguei o rádio bem alto para escutar os comentários de futebol e dar uma limpada no apartamento. D’ale não quis ficar na sacada pegando sol e correu para meu quarto com o pelo eriçado. Baixei a voz grave do Pedro Denardin e fui na sacada ver o que o que poderia tê-lo assustado lá. Notei que os moradores do apartamento acima do meu, desenrolaram uma bandeira tricolor que ocupava um lado a outro da área.O hino de seu time ecoava de maneira que o prédio inteiro ouvia. Pra assustar ainda mais o meu gatinho, o vento forte fazia o tecido chicotear o ar.

Já descia a escada com as sacolas de lixo, quando lembrei que não havia pego o do banheiro. Irritada ao último, deixei a porta aberta por um segundo, e corri até lá. Mentalmente, certifiquei-me que estava tudo certo. Com todas os sacos em mãos, puxei bem a porta para D’ale não sair e desci com certa dificuldade os 3 lances de escadas. A distância entre a saída do prédio até os recipientes de coleta seletiva pareceu-me maior.

Quando retornei os vizinhos escutavam o hino outra vez. Tinham colocado para repetir. Eu não me importaria a mínima se somente eles escutassem. O som estava tão alto que já incomodava os vizinhos do prédio ao lado. Por um momento,a música parou. Atirei-me no sofá e ia chamar pelo Dale quando o som recomeçou, ainda mais alto. Dessa vez não era o hino, era a narração da famosa Batalha dos Aflitos. Não. Eu não ia escutar. Eu não precisava escutar. Quase chorando de raiva peguei uma vassoura e comecei a bater com o cabo no teto. O som diminuiu.
Chamei D’ale. Pensei que estivesse emburrado ainda, pois não interagia comigo.

O jogo começou. Logo nos primeiros minutos o Grêmio fez um gol de falta. Mal marcada, na minha opinião. O mundo veio abaixo. Parecia que uma tropa de gado pisoteava minha cabeça. Toda a cidade estava ali no apartamento 403 gritando GOL. Na sacada a bandeira vibrava com os gremistas. Apertei as mãos de raiva e fiquei imaginando meus amigos no estádio deles e perdendo... Ainda bem que eu não tinha ido.

Os azuis ainda vibravam quando D’ale(o nosso argentino) escorou o gol mais bonito do Campeonato. Gritei, vibrei como nunca havia antes, fora do estádio. 1 a 1. Lembrei de D’ale, (o meu D’ale) , que não gosta que eu grite. Chamei, procurei. Abandonei a partida para encontra-lo.
Meus gritos mudaram. Ao Invés de Inter eu gritava D’ale. As janelas do meu apartamento eram teladas, cada abertura bem fechada sempre para a segurança dele.
Onde teria ido o meu D’ale?

5 horas. Hora do intervalo. Jogo empatado. Mas eu só pensava no meu gato. Percorri os corredores do meu andar e conversei com alguns vizinhos de porta. Alguns deles até se juntaram a mim na busca pelo D’ale.

Com o rosto avermelhado, os olhos já inchados e fungando o nariz eu subia as escadas pela terceira vez, me segurando no corrimão, quando percebi que havia um jovem casal vestindo camiseta tricolor, parado na frente do meu apartamento. Ela sorridente, com mechas loiras nos cabelos castanhos ondulados caíam abaixo dos ombros. O rapaz, cuja cabeça quase chegava à altura da porta, me olhou divertido ao se virar e me mostrar o que tinha em suas mãos.

- D’ale!!! - Gritei ao agarrar e abraçar meu gato que miou preguiçoso.
- Meu Deus! Nem sei como agradecer! Muito muito obrigada!!-Nem me importei com minhas lágrimas de alivio e felicidade. Eu só queria beijar e abraçar o meu gato.
- Não tem o que agradecer. - Ele dizia enquanto eu abria a porta do apartamento e os convidava para entrar - Vizinhos são pra essas coisas! Somos do apartamento 403 e também adoramos animais!



 

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